Logo que começou o pandemônio, ela apostou tudo nos olhos – a redinha prendia os cabelos e a máscara encobria tudo mais. Testou à exaustão as maquiagens; caprichou na depilação das sobrancelhas; descobriu os cílios perfeitos. Logo em seguida, ele começou a aparecer, sempre no fim da tarde, pedindo sempre a mesma coisa: cinco pãezinhos e cem gramas de mortadela.
Novo no bairro, logo achou graça na balconista e nas suas máscaras coloridas. Dia após dia, um inaudito jogo de aproximação foi crescendo, sempre restrito aos olhos. O medo deixava cada um no seu canto.
Durante meses, teceram sonhos sobre o mistério do rosto, sempre esperando, com impaciência crescente, o fim da peste chinesa e o dia da revelação.
Como não há mal que sempre dure, a expectativa chegou ao fim quando nosso guia disponibilizou a vacina e o gado pôde tirar a focinheira.
No fim da tarde ele chegou, no horário de sempre. A princípio, ela não o reconheceu. Quando enfim deu por si, tomou o mais susto da vida dela, a custo contido.
Justiça seja feita, a decepção dele não foi menor.
O comedor de mortadela nunca mais apareceu, e a moça deu graças a Deus.
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