Tradução do artigo The Shire and The Amazon, de Robert Royal, publicado no dia 9 de setembro.
Estive caminhando no lado oeste de Oxford na semana passada – em férias tardias após um verão muito ocupado – atravessando algumas das vilas onde J.R.R. Tolkien e C.S. Lewis caminharam juntos. Ao criar o Shire, Tolkien tinha muito dessa paisagem em mente. Eu até tomei um gole e comi um sanduíche de bacon e cranberry [NT: tipo de videira] no sábado na The Bell Inn na Morethon-in-marsh, a inspiração para o “O Pônei Saltitante” dO Senhor dos Anéis – onde os hobbits se encontram pela primeira vez com Aragorn, mais tarde o legítimo Rei de Gondor.
Tudo realmente belo e inspirador, de uma forma difícil de expressar, exceto para alguém com a imaginação do próprio Tolkien. A região é, ao mesmo tempo, a mesma e sem dúvida bem diferente do que era no tempo em que Tolkien e Lewis caminharam por lá. Hoje há turistas e televisão. (Entramos na igreja em Blockley, a vila onde foi filmada a série de tv do detetive Padre Brown – uma versão teologicamente neutralizada do Padre Brown de Chesterton.) Mesmo assim, as colinas e os campos, as fazendas e as torres de pedra espalhadas levam você para um mundo diferente.
A natureza exata daquele mundo com frequência se perde nos nossos atuais debates sobre o meio-ambiente. Hoje temos grande poder sobre a natureza. Os grandes avanços da ciência pura e os progressos quase miraculosos da tecnologia – especialmente na medicina – são grandes bençãos, é verdade, mas também grandes desafios.
Sob uma perspectiva bíblica, ou seja, sob a perspectiva verdadeira, há nisso uma luta em andamento entre o uso adequado da inteligência humana para cooperar com a Criação na promoção do bem e o impulso de Prometeu – o desejo de sermos senhores da natureza e os nossos próprios egos, totalmente independentes de quaisquer ordens ou verdades a nós impostas, outras que não sejam as que criamos.
O resultado é, muitas vezes, confusão e o desejo de resolver essa confusão recorrendo a simplificações. Numa das mais conhecidas passagens da poesia inglesa, Wordsworth já discorria sobre isso dois séculos atrás:
One impulse from a vernal wood
May teach you more of man,
Of moral evil and of good,
Than all the sages can.
Sweet is the lore which Nature brings;
Our meddling intellect
Mis-shapes the beauteous forms of things: –
We murder to dissect.
A verdade é que hoje às vezes cometemos assassinatos tecnológicos em nossa busca pela dominação. Mas é errado pensar que a “natureza” pode (ou “é capaz de”) nos instruir sobre moralidade ou que o intelecto humano está “se intrometendo”. Digo isso apesar de acreditar que Wordsworth foi um dos pouquíssimos seres humanos a manifestar um senso da natureza espiritual autêntico.
O iminente Sínodo da Amazônia tem caminhado com dificuldade nessa bagunça e trouxe uma confusão adicional a um assunto já problemático. Como Wordsworth e outros românticos, o Instrumentum laboris (“Documento de Trabalho”) evita o difícil trabalho de pensar, não apenas sobre o que normalmente entendemos como bem e mal “morais”, mas sobre o nosso relacionamento com a natureza em si.
As florestas tropicais não nos ensinarão como devemos nos relacionar com elas ou com o resto do mundo. Temos de descobrir isso por nós mesmos – a menos que deixemos de lado os avanços na produção de alimentos, transporte, moradia e medicina que as nossas mentes foram capazes de criar. Ninguém em sã consciência quer realmente isso.
Se você quiser começar a refletir sobre esse assunto sob uma perspectiva diferente, experimente ler o livro In the Beginning, de Joseph Ratzinger, ou o livro Letters from Lake Como, de Romano Guardini. (Tentei aprofundar algumas das descobertas deles para abordar os temas atuais em meu livro The Virgin and the Dynamo.)
Como era de se esperar, Ratzinger liga as preocupações ambientais às profundas descobertas teológicas do Gênesis sobre a Criação e o adequado “domínio” sobre a natureza dado aos seres humanos. Na tradição teológica, a natureza é frequentemente apresentada como um tipo de segundo “livro” da revelação, algo que nos fala sobre o nosso lugar no universo mas apenas se lido adequadamente pela lente do outro “livro” – a revelação bíblica.
É revelador que o Sínodo da Amazônia parece ser exatamente o oposto disso – como se a floresta amazônica fosse um tipo de voz mística que pode “corrigir” os erros da civilização humana e até mesmo do próprio Cristianismo. Ele tem uma visão verdadeira – a de que a Criação não é apenas um assunto e uma energia indiferentes a qual somos livres para moldar da forma que quisermos – mas adota o oposto, o pensamento de que nós, seres humanos, somos meros destinatários passivos de um divino “impulso de uma mata primaveril”
Romano Guardini é de grande ajuda prática no tema. Como o seu nome indica, a sua família é de origem italiana. Eles emigraram para a Alemanha quando ele era jovem. Escrevia em alemão mas fazia viagens de verão regulares à Itália.
A sua história pessoal o conduziu a uma valiosa descoberta. Ele ficou impressionado como, na parte mais industrializada da Alemanha, fábricas e armazéns eram construídos grosseiramente, ignorando totalmente a natureza ao seu redor. Na Itália, por contraste, os edifícios e até mesmo cidades inteiras eram desenvolvidas não contra a paisagem mas como uma extensão dela – uma harmonia agradável entre a natureza e o homem.
Mesmo em Guardini pode ter havido uma pitada de romantismo – o velho país parece mais humano do que o novo. Há indústrias modernas necessárias – mineração, fabricação, geração de eletricidade e outras – que serão toscas e feias, talvez sempre.
Mas o princípio básico identificado por Guardini permanece. Tanto quanto podemos, não devemos ser nem prometeus – cavalgando brutalmente a natureza para obtermos o que queremos – nem românticos, acreditando falsamente que a natureza, conforme a encontramos, é divina. Em vez disso, devemos assumir a perpétua tarefa humana de lutar por sermos verdadeiramente nós mesmos – moral, intelectual e emocionalmente – dentro da Criação.
Você pode ver sinais do que isso pode significar não apenas nos campos italianos mas também nas ondulantes colinas de Gloucestershire e Worcestershire. Estive nas florestas brasileiras e mesmo lá vi algumas possibilidades. O Shire é um lar ideal, um sonho sob diversos aspectos, mas não estamos errados ao nos esforçaramos para tornar esse sonho realidade.
Robert Royal é editor chefe do site The Catholic Thing e presidente do Faith & Reason Institute em Washingto, D.C. O seu mais recente livro é A Deeper Vision: The Catholic Intellectual Tradition in the Twentieth Century, publicado pela Ignatius Press. O livro The God That Did Not Fail: How Religion Built and Sustains the West, agora está disponível em brochura no site Encounter Books.
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