Tradução do artigo 1968 at 50, de Robert Royal, publicado no site The Catholic Thing em 12 de fevereiro.
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Um sábio sacerdote/professor de Notre Dame me disse recentemente que o notável historiador Philip Gleason (hoje professor-emérito em Notre Dame) frequentemente aconselhava as pessoas a manterem a calma: “Lembre-se, pelo menos não estamos em 1968”.
Eu não tenho tanta certeza. Acabamos de ver um arcebispo, dirigente de dois concílios pontifícios, elogiar a horrível China comunista com uma negligência não vista desde que Hanoi Jane Fonda visitou o Vietnã do Norte comunista. Estamos vendo o retorno de sacerdotes, bispos e cardeais ensinando coisas contraditórias, às vezes até afirmando que o que antes era “intrinsicamente perverso” é, em alguns casos, hoje necessário – e eles certamente estão conduzindo uma nova onda do Espírito. Séculos de teologia moral parecem entrar em perigo quando o Papa entra num avião. E a mensagem de Roma nunca foi tão confusa desde Paulo VI.
Um comentário de um sacerdote americano bem conhecido (não o Padre James Martin) que encontrei pouco tempo atrás me levou de volta àqueles dias turbulentos. Ele afirma que a crença de que os seres humanos são divididos em macho e fêmea é o produto das nossas mentes “binárias”.
Outra obra desse sacerdote tem algum peso espiritual e, até que eu analise melhor o que ele quis dizer, eu não vou dar o seu nome. Além disso, a minha preocupação é menos com ele pessoalmente do que com uma forma de reflexão moral que hoje parece estar em toda a Igreja, dos simples leigos sentados nos bancos da igreja até Roma.
É imporante reconhecer que algumas pessoas hoje pensam que tais afirmações são uma visão cristã dos conflitos sexuais nevrálgicos. Ao longo de todo o tempo, a questão sequer foi levantada; ela foi resolvida “por inspeção” (NT: by inspection, no original). As nossas espécies criativas produziram algumas eflorescências exóticas ao longo das culturas e dos milênios mas jamais até como o agora LGBTQQIAAP…
Hegel, como Bento XVI costumeiramente nos lembrava, disse que a razão tem um nariz de cera que pode ser girado em qualquer direção. Homem esperto, mas que não sabia nem a metade do assunto.
Sob uma perspectiva religiosa, seria suficiente lembrar o primeiríssimo capítulo do primeiríssimo livro da Bíblia:
“Deus criou o homem à sua imagem; criou-o à imagem de Deus, criou o homem e a mulher.” (Gn 1, 27)
Não foi um rígido monsignori romano nem teólogos morais legalistas – ainda menos estruturas mentais semelhantes a dispositivos digitais – que nos deram essa percepção fundamental da natureza humana.
Todas as abordagens históricas críticas à Escritura – para não falar das bizarras interpretações que pessoas como o Padre Martin frequentemente tweetam hoje em dia – não devem nos distrair. Há muitos fiéis bastantes inteligentes com as credenciais necessárias de que 1) não são fundamentalistas, 2) entendem as complexidades de entender alguns trechos da Bíblia e 3) ainda acreditam que, em tais assuntos, nós podemos ser simples leitores do mundo.
Contradições não são desenvolvimento espiritual. Se a tradição bíblica entendeu erroneamente algo tão básico como macho/fêmea desde o início, o que pode ter entendido acertadamente?
E se você acredita nisso, por que simplesmente não cacarejar isso e inventar o que quer que queira em alguma nova “comunidade de fé”?
Anos atrás, convidei um amigo, judeu ortodoxo, elo judaico na Casa Branca, para falar em uma conferência. (Sempre que ele tinha que ficar até tarde da noite na sexta-feira – início do sábado – ele gostava de esvaziar os bolsos, tirar o cinto para não estar “carregando nada” e caminhar para sua casa, como as regras do sábado prescrevem.) Um grupo de feministas judias o atacaram após ele ter falado. Jamais esquecerei sua resposta: Discutirei qualquer coisa com vocês mas antes vocês terão de mostrar onde, na Lei, o argumento começa.
Um cristão terá uma visão diferente da Lei (ao mesmo tempo em que se lembra das palavras de Jesus de que Ele veio não para abolir a Lei). Mas eu fiquei – e ainda estou – impressionado por aquela sensatez judaica. Se você não tem pontos de partida comuns, como judeu ou cristão, você não pode afirmar nada. Muitas pessoas fazem isso nos dias de hoje.
Isso é porque começam pensando não a partir das categorias bíblicas ou teológicas mas a partir do que elas assumem ser senso comum hoje: que ser macho ou fêmea é maleável, que todos devem ser livres para casar com quem quiserem, que tudo o que você precisa é de amor, que idéias do passado nesses e em outros assuntos são socialmente construídas, são relações de poder – em uma palavra, são maldade.
Mesmo na Igreja, as pessoas hoje usam as estranhas suposições da cultura pós-cristã para fazer com que judeus e cristãos ortodoxos pareçam dissidentes. E haters. Vamos ser claros, isso não é uma acusação de algumas pessoas deselegantes ardendo pelo Evangelho. É uma acusação contra a toda nossa tradição.
Tudo isso se tornou possível apenas graças ao longo processo que alterou radicalmente o que as pessoas acreditam ser senso comum. Tem sido chamado de muitas coisas; historicismo, a longa marcha por meio das instituições, marxismo cultural.
A linha comum foi um desejo de “libertar” a vontade humana dos limites, seja de Deus ou da natureza. Um marxista italiano, Antonio Gramsci, escreveu o livro (literalmente) sobre como fazer isso enquanto esteve em uma prisão fascista. Muitos dos nossos radicais culturais seguem a sua orientação.
Curiosamente, Gramsci aprendeu com os jesuítas da Contra Reforma. Eles simplesmente procuravam não influenciar líderes, na Igreja ou no estado. Tais ganhos poderiam facilmente desaparecer se diferentes líderes chegassem ao poder.
Não, disse Gramsci, o gênio desses líderes seria criar una cultura capillare, uma delicada rede de instituições e opiniões que, como os capilares dos nossos corpos, alcançassem cada canto e cada recanto.
Quer saber por que a liberdade ou o casamento religioso depende de um simples voto na Suprema Corte? A contracultura penetrou na educação, nas escolas de direito, na mídia e na cultura.
Durante a Reforma, como até um comunista italiano pôde ver, os jesuítas tornaram o Protestantismo virtualmente impensável para muitos católicos. A sua formulação sobre o que conta como senso comum construiu uma barreira imamovível.
Não estou espeando que os jesuítas de hoje liderem a contra-reforma de que agora precisamos. Mas alguém tem de fazê-lo – vigorosamente, ao longo do longo percurso. Talvez você, onde quer que esteja. Caso contrário, vamos continuar ouvindo até mesmo líderes cristãos descartando os fatos mais simples da vida como ilusões de “mentes binárias”.
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Robert Royal é editor-chefe do site The Catholic Thing e presidente do Faih & Reason Institute em Washington, D.C. O seu mais recente livro é A Deeper Vision: The Catholic Intellectual Tradition in the Twentieth Century, publicado pela Ignatius Press. The God That Did Not Fail: How Religion Built and Sustains the West agora está disponível em formato brochura no Encounter Books.
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