Quem entra na histórica igreja de São Gonçalo, no centro de São Paulo, se depara com um hall de madeira com uma porta à esquerda e outra à direita. Localizados bem em cima delas, há dois discretos vitrais que, pelo tamanho e pela posição, passam quase que despercebidos ao visitante menos atento.
Trata-se de dois vitrais representando a morte – a morte do homem bom e a morte do homem mau.
O homem bom está no leito tendo à sua cabeceira um médico próximo a uma poltrona. Aos pés da cama, está a sua amada e chorosa esposa e os seus não menos amados nem menos chorosos filhos. Um sacerdote o assiste no transe. Um anjo armado com uma espada afugenta os demônios. Outro anjo insta o homem a olhar para o alto céu, de onde a Santíssima Trindade envia sua luz na direção do moribundo. O homem segura em uma das mãos um terço e, na outra, um crucifixo, que está levando aos lábios para beijar. O moribundo traz no semblante uma expressão de paz. Numa mesinha, água benta é um livro aberto.
O homem mau, por sua vez, está angustiado. A mão direita faz um gesto de recusa para um sacerdote, como que simbolizando a impenitência. A mão esquerda tenta alcançar um pequeno quadro que mostra uma mulher, provavelmente a sua amante, já que a esposa chora ajoelhada ao pé da cama. A tentativa é inútil, uma vez que um sarcástico demônio segura o quadro, mantendo-o fora do alcance do moribundo. Aos pés da cama, um víbora toma conta de um saco de dinheiro. Um demônio puxa o homem pelos pés na direção do inferno, onde, sentado em seu trono, o capeta em pessoa aguarda sorridente. Um anjo esconde o rosto para não ver o terrível destino do infeliz.
Se você é católico, vale a pena visitar a igreja, ver os vitrais e meditar sobre a morte. Se você é apenas um curioso ocioso, mesmo assim vale a pena visitar a igreja para ver os maravilhosos e pouco conhecidos vitrais. Dizem que o inferno está cheio de curiosos, coisa de que duvido muito, já que nem todas as curiosidades são ruins.
Um curioso, uma vez, subiu numa árvore porque queria ver passar Jesus. Era cobrador de impostos, não um simples cobrador, mas muito pior, era o chefe dos cobradores. Um tipo de gente odiada e desprezada. Subiu na árvore porque era “de baixa estatura”, diz a Bíblia – era baixinho, em linguagem de pobre. Um homem rico e asqueroso, trepado numa árvore, foi decerto objeto dos mais abjetos impropérios. Eu mesmo, se estivesse lá, teria lhe brindado com os palavrões mais cabeludos ao alcance; você, não?
O fato é que o curioso baixinho tomou o maior susto da vida quando viu Jesus se aproximar sorrindo, achando graça da inusitada situação.
– Zaqueu, desce despressa porque hoje vou me hospedar em sua casa.
Alguns curiosos são bem recompensados. Vá lá na igreja de São Gonçalo matar a curiosidade. Quem sabe Deus não te recompensa?
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