Há cem anos, em Fátima, segundo o Padre João de Marchi no livro Era uma Senhora mais brilhante que o sol.
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Desde as primeiras horas desse dia 13, as casas dos videntes estão tão atulhadas de gente que não é possível passar-se dum compartimento ao outro. Todos querem ver, todos querem falar às crianças, recomendar-lhes as suas necessidades, as suas misérias, as suas preocupações.
A custo os três pastorinhos conseguem pôr-se a caminho da Cova da Iria.
É ainda a Lúcia que nos vai dar uma ideia do que foi o movimento naquele dia 13.
“Ao aproximar-se a hora fui para a Cova da Iria com a Jacinta e o Francisco entre numerosas pessoas que a custo nos deixavam andar. As estradas estavam apinhadas de gente; todos nos queriam ver e falar; ali não havia respeitos humanos. Muita gente do povo, e até senhoras e cavalheiros, conseguindo romper por entre a multidão que à nossa volta se apinhava, vinham prostrar-se de joelhos diante de nós pedindo que apresentássemos a Nossa Senhora as suas necessidades. Outros, não conseguindo chegar junto de nós, clamavam de longe. Um deles:
— Pelo amor de Deus peçam a Nossa Senhora que me cure o meu filho que é aleijadinho.
Outro: — Que me cure o meu que é cego.
Outro: — O meu que é surdo!
— Que me traga meu marido, meu filho que andam na guerra; que me converta um pecador; que me dê saúde que estou tuberculoso, etc.
Ali apareciam todas as misérias da pobre humanidade e alguns gritavam até do cimo das árvores e paredes para onde subiam com o fim de nos ver passar.
Dizendo a uns que sim, dando a mão a outros para os ajudar a levantar do pó da terra, lá fomos andando, graças a alguns cavalheiros que nos iam abrindo a passagem por entre a multidão.
Quando agora leio no Novo Testamento essas cenas tão encantadoras da passagem de Nosso Senhor pela Palestina, recordo estas que tão criança ainda Nosso Senhor me fez presenciar nesses pobres caminhos e estradas de Aljustrel à Fátima e à Cova da Iria e dou graças a Deus oferecendo-Lhe a fé do nosso bom povo português e penso se esta gente se abate assim diante de três pobres crianças só porque a elas é concedida misericordiosamente a graça de falar com a Mãe de Deus, que não faria se visse diante de si o próprio Jesus Cristo?…”
Chegadas as crianças finalmente junto da carrasqueira, a Lúcia, como de costume, ordena ao povo que reze o terço, a que ela mesmo preside. Todos caiem de joelhos e, ricos e pobres, em voz alta, respondem às contas passadas por uma pobre pastorinha da serra.
Não tinha ainda acabado a reza, quando os pequenos se levantam a esquadrinhar o horizonte. Tinham visto o relâmpago: a bondosa Senhora não podia faltar à palavra dada.
Uns momentos, e sobre a azinheirinha já poisa a doce Rainha do Céu, a sorrir-lhes maternal.
— Que é que Vossemecê me quer? — pergunta, como sempre, a Lúcia.
E a linda Senhora responde:
— Continuem a rezar o terço a Nossa Senhora do Rosário, todos os dias, para alcançarem o fim da guerra.
E repetindo o que já lhes tinha dito no mês precedente insiste em que não faltem ali no dia 13 de Outubro, em que viria São José com o Menino Jesus para dar a paz ao mundo; Nosso Senhor para abençoar o povo e depois se veria a sua Imagem correspondente às duas invocações de Nossa Senhora das Dores e Nossa Senhora do Carmo.
— Têm-me pedido para pedir muitas coisas — diz-Lhe a Lúcia — Esta pequena é surda-muda. Não a quer curar?
— Durante o ano experimentará algumas melhoras.
São pedidos de conversões… são pedidos de curas…
— Alguns curarei, outros não, porque Nosso Senhor não se fia neles — responde a Virgem.
O obstáculo ao milagre seria para uns a falta de disposições suficientes; quanto aos outros, a doença seria para eles maior bem do que a cura.
— O povo gostava muito de ter aqui uma Capela — continua a pequena não perdendo a ocasião de recordar o pedido que lhe fizera a Sra. Maria Carreira.
— Empreguem metade do dinheiro, que até hoje têm recebido, nos andores, e sobre um deles ponham Nossa Senhora do Rosário; a outra parte será destinada a ajudar a construção duma Capela.
— Há muitos que dizem que eu sou uma intrujona, que merecia ser enforcada ou queimada. Faça um milagre para que todos creiam! — pede, pela terceira vez, a Lúcia.
— Sim, em Outubro farei um milagre para que todos acreditem — assegura de novo a Senhora.
— Umas pessoas deram-me duas cartas para Vossemecê e um frasco de água de Colônia.
— Isso de nada serve para o Céu! — responde a Virgem.
Depois destas palavras a branca Visão despede-se e eleva-se no ar empregnado de sobrenatural.
A Lúcia grita então para o povo:
— Se querem vê-La, olhem para ali! — e indica o Nascente por onde a Virgem ia a desaparecer.
Àvidamente todos os olhos tomaram a direcção apontada e muitos puderam observar de novo o fenómeno notado antes.
O glogo luminoso ascendia também para o Céu, reconduzindo à sua Celeste Morada a bondosa Rainha dos Anjos.
Depois de uns instantes de trépida comoção os peregrinos precipitavam-se sobre as afortunadas crianças a assediá-las com mil interrogações. Foi com dificuldade que os pais conseguiram reconduzi-las às suas casdas, que encontraram de novo literalmente cheias de gente. E as perguntas não deixaram de chover até que a noite veio cobrir com o seu manto de silêncio e de paz o rústico lugarejo de Aljustrel.
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